O Descaso com a Física durante a Reforma do Novo Ensino Médio no Brasil
A reforma do Ensino Médio no Brasil, implementada pela Lei nº 13.415/2017, gerou um debate acirrado entre educadores, gestores, estudantes e especialistas em diversas áreas do conhecimento. No entanto, uma das áreas que mais sofreu com os ajustes propostos foi a Física, ciência que tem um papel crucial no desenvolvimento do pensamento crítico, lógico e analítico dos estudantes. O tratamento dado à Física, e à Ciência de maneira geral, na reforma reflete um desinteresse pela formação integral dos alunos e revela o desprezo pelo papel fundamental que as ciências exatas desempenham na sociedade moderna.
A Natureza da Reforma e seus Impactos
A reforma do Ensino Médio propôs um novo currículo, baseado em itinerários formativos, com o objetivo de flexibilizar o percurso escolar dos alunos. Essa ideia de “personalização” do ensino parecia, à primeira vista, uma proposta válida para atender à diversidade dos estudantes e permitir que escolhessem áreas de interesse. No entanto, na prática, a flexibilização resultou em um esvaziamento do currículo, com a diminuição da carga horária das disciplinas obrigatórias, incluindo as ciências exatas.
Em um contexto de alta valorização das chamadas competências e habilidades, o foco na formação geral foi reduzido, e disciplinas como Física, Química e Biologia, que tradicionalmente integravam o núcleo comum, foram marginalizadas e relegadas a um segundo plano. A Física, em particular, passou a ser oferecida em apenas alguns itinerários formativos, dependendo da escolha do aluno. Para muitos, essa decisão significou a perda do caráter essencial dessa disciplina, que deveria estar presente de maneira transversal na formação de todos os cidadãos, independentemente de sua futura área de atuação.
O Papel da Física na Formação Crítica e Social
A Física é uma ciência que se propõe a estudar os princípios fundamentais que regem o funcionamento do mundo. Mais do que uma simples matéria para quem deseja seguir a carreira científica, ela exerce um papel crucial na formação crítica dos indivíduos. A Física desenvolve habilidades de resolução de problemas, raciocínio lógico, compreensão do funcionamento do universo e capacidade de análise e interpretação de dados. São habilidades que, em última instância, fortalecem a capacidade do estudante de se posicionar e atuar de forma ativa e consciente na sociedade.
Quando a reforma opta por reduzir a carga horária de Física, ou até mesmo excluí-la do itinerário de muitas escolas, coloca-se em risco o desenvolvimento do pensamento crítico e analítico dos estudantes. Ao se distanciar de disciplinas como essa, o sistema educacional desconsidera que a formação básica dos cidadãos não deve ser voltada apenas para a instrumentalização voltada ao mercado de trabalho imediato, mas sim para o preparo de indivíduos capazes de compreender a complexidade do mundo que os cerca. O estudante que não tem contato adequado com a Física, por exemplo, estará privado da oportunidade de entender fenômenos como as mudanças climáticas, os avanços tecnológicos e a importância da ciência para a melhoria das condições de vida.
A Física no Contexto da Sociedade Contemporânea
Em um cenário global onde a ciência e a tecnologia avançam de maneira acelerada, o conhecimento básico de Física se torna cada vez mais imprescindível. A Física está na base de inovações tecnológicas que impactam diretamente o cotidiano das pessoas: desde a internet, a comunicação via satélites, até os veículos autônomos, a medicina de precisão e os avanços nas energias renováveis. Ao desconsiderar a importância dessa ciência, a reforma do Ensino Médio parece ignorar a necessidade de formar uma geração de jovens preparados para entender e atuar no mundo tecnológico em que vivem.
No Brasil, a situação é ainda mais crítica. O país enfrenta sérios desafios no campo da educação, com baixos índices de desempenho nas avaliações internacionais de aprendizagem, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). A Física, ao lado de outras disciplinas de exatas, deveria ser um ponto forte na formação dos alunos brasileiros, já que as ciências têm um impacto direto na capacitação para profissões que exigem habilidades técnicas. Contudo, ao reduzir a presença da Física no currículo, o governo contribui para um processo de precarização da educação e amplia ainda mais as desigualdades educacionais, já que os estudantes das escolas públicas, especialmente os que vivem em contextos periféricos, são os mais afetados por essas mudanças.
A Lógica Mercadológica por Trás da Reforma
Outro aspecto preocupante da reforma é a sua forte vinculação ao mercado de trabalho e às exigências do capitalismo contemporâneo. A reforma, ao criar itinerários formativos, busca alinhar o ensino médio às demandas do mercado, dando prioridade a áreas como gestão, empreendedorismo e tecnologias digitais. O problema dessa lógica é que ela reduz a educação a uma mera preparação para o mercado, desconsiderando a função mais ampla e social da escola, que é promover uma educação integral e capaz de formar cidadãos críticos e engajados com questões sociais, científicas e éticas.
Dentro dessa perspectiva, disciplinas como a Física, que não se encaixam facilmente em um perfil voltado para a formação técnica imediata, acabam sendo marginalizadas. A física, enquanto uma disciplina que exige tempo para ser compreendida em toda sua complexidade, não se adapta facilmente à pressão do imediatismo. A busca por resultados rápidos e tangíveis, característica de um sistema educacional moldado para atender às demandas empresariais, exclui o conhecimento profundo e a reflexão, aspectos que são essenciais para a formação de uma sociedade mais justa e pensante.
O Futuro da Física no Ensino Médio
Embora a reforma do Ensino Médio tenha sido implementada com o objetivo de tornar o currículo mais flexível e adaptado às novas demandas educacionais, a realidade mostrou que o esvaziamento da Física e de outras disciplinas de ciências exatas e humanas enfraqueceu o ensino como um todo. A escolha de diminuir a carga horária de Física ou mesmo de retirar a disciplina do núcleo obrigatório não representa apenas uma questão administrativa ou pedagógica, mas um ataque à própria formação crítica e científica dos alunos.
Para que a Educação no Brasil não continue a enfrentar um processo de degradação, é imprescindível que haja uma revalorização da Física e das ciências em geral dentro do Ensino Médio. Não se trata apenas de uma questão de número de horas ou presença curricular, mas de uma reflexão profunda sobre o papel da educação na construção de um futuro mais democrático, crítico e fundamentado no conhecimento. Sem uma base sólida de Física, o Brasil corre o risco de formar uma geração de cidadãos incapazes de compreender as transformações tecnológicas e científicas que moldam o mundo contemporâneo, e mais vulneráveis ao populismo, à desinformação e à manipulação.
Em resumo, a reforma do Novo Ensino Médio, ao desconsiderar a Física e outras áreas do conhecimento, compromete a formação dos estudantes e a própria capacidade do país de avançar em áreas científicas e tecnológicas. O descaso com a Física é, portanto, uma perda não apenas para o campo educacional, mas para toda a sociedade brasileira.
Prof. Thiago I. Morais
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